Toda cresceu numa casa simples de madeira próxima do Rio Atsuta. Da janela do quarto onde costumava estudar, apreciava a magnífica vista do oceano. Em certa ocasião, ele disse: “Esta é minha amada praia (1). Fui criado por este mar e pela rigorosidade da natureza.” No inverno, podia-se ouvir o ruído dos pingentes de gelo que caíam. Toda sempre ansiava pela primavera e se sentia feliz quando ela finalmente chegava.
Sabendo que as groselhas eram abundantes na nascente do Rio Atsuta, ia visitar os agricultores rio acima, carregando com ele um pacote de algas marinhas. Trocava-as por groselhas, que por sua vez vendia, usando o dinheiro para comprar presentes para seus pais.
Aos oito anos, perdeu o irmão mais velho. A morte chocou-o profundamente e deixou nele uma impressão duradoura. Pelo resto da vida, não conseguiu deixar de lado a preocupação com as grandes questões da vida e da morte. Ainda criança, esses problemas começaram a tomar forma em sua mente.
Toda foi um menino inteligente e sensível, apesar de não ter sido robusto. Demonstrou grande inclinação para os estudos, e particularmente era hábil em álgebra. Nos níveis superiores era freqüentemente chamado para substituir o professor nas aulas. Concluiu com honra o curso na Escola Atsuta, em 1914, mas não pôde continuar os estudos. Embora o diretor da escola e outros amigos lamentassem sua saída, ele foi obrigado a trabalhar para ajudar no sustento da família.
Devido às condições financeiras, Toda possuía poucos livros. Ao visitar seu professor, ficava admirado ao ver as estantes enfileiradas de livros sobre literatura e filosofia.
Certa ocasião, seu professor questionou-o por que não tentava ler todos, dizendo que os emprestaria um de cada vez até que todas as suas estantes ficassem vazias. Todos os dias, Jossei Toda lia avidamente seus livros. Quando adulto, manifestou que tudo o que era devia a esse grande incentivo recebido.
Para retribuir ao professor, resolveu doar livros para as escolas de Atsuta, surgindo desse ato a tradição da Soka Gakkai de doar livros para bibliotecas de escolas e universidades para promover a educação e a cultura.
Em 1915, entrou como aprendiz na Companhia Kokoro de Saporo, no ramo de atacado de roupas, papelaria e miudezas. Embora o ambiente fosse pouco favorável aos estudos, aproveitava todos os momentos vagos para ler. Dois anos depois, apesar de não possuir curso superior, passou nos exames que lhe davam crédito para professor primário assistente. Em 1918, começou formalmente sua carreira na educação, lecionando na sexta série da Escola Primária Mayati, na desolada região de minas de carvão de Yubari. Toda morava na casa de um mineiro e a família de um dos alunos lhe oferecia as refeições. Embora fosse rigoroso, seus alunos tinham grande carinho por ele e invadiam sua pequena sala após as aulas para estudar e brincar. Apesar de ter permanecido ali por pouco tempo, deixou uma profunda impressão nas crianças, mesmo muitos anos depois, já adultas, ainda se lembrariam dele com afeição.
Enquanto ensinava, Toda dedicava-se a seus próprios estudos e, nos dois anos seguintes, passou nos exames que o habilitariam a lecionar Química, Física, Geometria, Álgebra e matérias regulares do primário. Em 1920, Toda conseguiu firmar-se como professor, mas o vilarejo pobre e distante era muito pequeno para conter suas esperanças. Em março, após se despedir de seus pais, ele partiu para Tóquio.
Seus primeiros meses na capital foram desencorajadores. Sem encontrar cargo no magistério, teve de trabalhar como office boy, além de executar outros serviços temporários. O que o atormentava acima de tudo, mais do que as dificuldades financeiras, foi não ter um mestre que lhe possibilitasse estabelecer visões corretas da vida.
Naquela época, passou a se chamar Jogai, que significa “fora do castelo”. Sem um mestre, ele sentia toa a solidão de um samurai sem um lorde a quem prestar lealdade.
Em meados de agosto, foi apresentado a Tsunessaburo Makiguti, diretor da Escola Primária Nishimati, um homem de idéias ímpares e práticas sobre a educação e que era visto com desconfiança pelos mais conservadores. Os métodos de ensino daquela época confiavam fortemente em currículos fixos e na memorização de fatos irrelevantes. A educação era dificultada por restrições tradicionais e havia pouco campo para as mentalidades renovadoras.
Impulsivamente, Toda rogou a Makiguti que o empregasse, prometendo: “Transformarei mesmo as crianças mais atrasadas em excelentes alunos.” Makiguti aceitou-o como professor substituto. Assim, ele encontrou aquele que seria seu mestre por toda a vida. Jossei Toda tinha 19 aos, e Makiguti, 48. A partir daquele dia, trabalharam juntos em tudo, compartilhando alegrias e tristezas.
A obra Teoria do Sistema Educacional de Criação de Valores de Makiguti foi publicada em 18 de novembro de 1930, marcando o nascimento da Soka Kyoiku Gakkai (Sociedade Educacional de Criação de valores), a predecessora da Soka Gakkai. Era a primeira vez que o nome dessa organização aparecia impresso na ourela de um livro. Makiguti era seu presidente e Toda, o diretor geral.
Em 1939, irrompeu a Segunda Guerra Mundial resultante do choque de interesses entre as nações que dividiam o mercado internacional desde o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), somando às pretensões dos alemães de dominar o mundo.
Um ano após, o Japão aliou-se à Alemanha e à Itália e ocupou a Indochina em 1941. Sua expansão militar entrou em choque com os Estados Unidos e, em 7 de dezembro de 1941, os japoneses realizaram um ataque surpresa a Pearl Harbor, no Havaí.
À medida que o Japão avançava na guerra, o sofrimento do povo aumentava. O governo militarista japonês adorava a Deusa do Sol do xintoísmo. Na iminência de ser derrotado, defendia que a nação deveria se unir em uma só prece à deusa a fim de obter proteção. Assim, a nação japonesa tentou unificar todas as religiões, chegando a ponto de encorajar todos os cidadãos a adorarem a Deusa do Sol.
Tsunessaburo Makiguti opôs-se categoricamente ao governo, afirmando eu a nação seria destruída se continuasse a adorar a Deusa do Sol e a menosprezar o Sutra de Lótus.
Nem mesmo o clero da Nitiren Shoshu escapou desse pensamento distorcido e, com medo da investida militar, optou por aceitar o talismã xintoísta, que representava a adoração á deusa.
Em junto de 1943, os líderes da Soka Gakkai receberam uma ordem para irem ao Templo Principal. O clero da Nitiren Shoshu sugeriu que os membros da Soka Gakkai recebessem o talismã xintoísta de qualquer forma e que seguissem provisoriamente as normas militares.
Ao relatar essa época, Jossei Toda escreveu: “O presidente Makiguti rejeitou resolutamente a idéia de aceitar o talismã xintoísta e deixou o Templo Principal. No caminho de casa, ele me disse: ‘O que lamento não é o fato de uma religião ser arruinada, mas que nossa nação perecerá. Temo que o Buda esteja triste com esta situação. Não seria esta a época de advertir toda a nação? Eu não compreendo que o Templo Principal teme. (...)’.”
“O presidente Makiguti, eu próprio e nossos companheiros fomos proibidos de visitar o Templo Principal, e todo o Japão taxou nossas famílias de inimigas da nação. Foi como aconteceu, foram dias muito estranhos.” (2)
Em 6 de julho de 1943, Makiguti e Toda foram presos e encaminhados para o Centro de Detenção de Sugamo. Makiguti, fraco e desnutrido, faleceu na prisão em 18 de novembro de 1944. No dia anterior, ele havia se vestido cuidadosamente com trajes formais e pediu para ser levado ao ambulatório. “Eu não soube de imediato sobre a morte de meus mestre”, escreveu Toda. “A última vez que o vi foi no inverno de 1943, no posto policial onde estávamos presos. Fomos encarcerados em celas estreitas e individuais. (...)”
“Em 8 de janeiro de 1945, um ano e meio após ser preso, disseram-me que o Sr. Makiguti havia falecido. Quando retornei à minha cela, não pude conter as lágrimas.”
“Quase na mesma época da morte do presidente Makiguti, eu havia completado aproximadamente dois milhões de Daimoku e experimentei uma condição de vida profundamente mística graças à grande benevolência do Buda Original. Após isso, dediquei todo meu tempo a questionamentos, recitando Daimoku e sentindo a alegria por ter sido capaz de compreender o
Sutra de Lótus, que fora tão difícil de entender a princípio.”
“Enquanto estava sendo interrogado, fui informado de que a maioria de nossos companheiros havia abandonado a prática. Lamentei profundamente a fraca fé deles mas, ao mesmo tempo, experimentei a alegria da gratidão ao Dai-Gohonzon das profundezas de meu coração. Decidi dedicar toda minha vida ao Buda Original Nitiren Daishonin.” (3)
Da prisão ele escreveu uma carta de encorajamento a seu filho: “Seu pai não poderá vê-lo por um bom tempo. Desejo fazer um trato. Recite cem Daimoku ao Gohonzon numa hora determinada da manhã de acordo com sua conveniência. Nessa hora, seu pai também recitará cem vezes o Daimoku. Nesse ínterim, as ‘duas intenções’ se comunicarão como telégrafos sem fio. Assim poderemos conversar. Se seus avós e sua mãe desejarem acompanhá-lo, deixe-os à vontade.” (4)
Toda foi libertado em3 de julho de 1945, um mês antes do cessar-fogo. Tóquio estava em ruínas, e os membros da antiga Soka Kyoiku Gakkai estavam dispersos. Em seu coração, disse a seu mestre: “Nossa vida é eterna. Não há início nem fim para ela. Estou agora consciente de que todos nós aparecemos neste mundo com a grande missão de propagar os sete caracteres do Sutra de Lótus nos Últimos Dias da lei. Se fosse para nos definir, diria com convicção que todos nós somos Bodhisattvas da Terra.” (5)
Quando Toda saiu da prisão, estava com 45 anos de idade e pesava menos de 40 quilos. Antes de ser aprisionado, tinha quase 70 quilos. Estava desnutrido, com tuberculose, asma, cardiopatia, diabete hemorróida e reumatismo. Além disso, continuava a sofrer de diarréia crônica, doença característica dos desnutridos. Sua forte miopia reduziu terrivelmente a capacidade visual a ponto de quase perder uma das vistas.
A reconstrução seria uma tarefa difícil e solitária, mas ele não se deixou abalar. Nessa época, mudou seu nome para Jossei, que significa “sábio do Castelo”, nome que refletia a convicção de alguém que havia despertado para o propósito de sua vida.
O nome Soka Kyoiku Gakkai (Sociedade Educacional de Criação de Valores) foi mudado para Soka Gakkai (Sociedade de Criação de Valores) refletindo a determinação de Toda de que a nova organização deveria transcender os objetivos puramente educacionais da sociedade, engajando-se de forma mais ativa no campo da cultura e tendo como objetivo básico a promoção da paz mundial.
No ano de 1947, Jossei Toda encontrou-se com Daisaku Ikeda, um jovem de 19 anos, que buscava uma verdadeira filosofia de vida. Adotando Toda como seu mestre, Ikeda abraçou seus ideais e se tornou seu discípulo imediato, dedicando-se à reconstrução da Soka Gakkai.
Nessa época, o Japão encontrava-se em séria crise financeira e a editora de Toda estava à beira da falência. Mesmo nessa situação, Daisaku Ikeda manteve-se fiel a Toda e continuou trabalhando ao seu lado.
As críticas que recaíam sobre Jossei Toda e a Soka Gakkai eram constantes. Dessa forma, com o sentimento de bradar pela verdade e justiça e de propagar o ideal da paz para todo o Japão e os povos da Ásia, Toda lançou o desafio de criar um jornal — o Seikyo Shimbun.
Juntamente com Daisaku Ikeda, Toda publicou a primeira edição do jornal em 20 de abril de 1951. Inicialmente, o periódico era constituído de uma única folha impressa, com uma tiragem de 5 mil cópias e publicado a cada dez dias. Hoje a tiragem do Seikyo Shimbun ultrapassa 5,5 milhões de exemplares.
Pouco depois, em 3 de maio de 1951, Toda tornou-se o segundo presidente da Soka Gakkai.
Ele viveu num ritmo alucinante a fim de reconstruir a Soka Gakkai. Edificou organizações de base, realizou reuniões de palestra por todas as partes do Japão, orientou os membros sobre diversos assuntos, fez visitas às famílias e fundou as Divisões das Senhoras, das Moças e dos Rapazes.
Ainda no ano de 1951, visando a comemorar os setecentos anos do estabelecimento do Verdadeiro Budismo, Toda anunciou o projeto de publicação das escrituras completas de Nitiren Daishonin (Gosho). Com o auxílio de seu discípulo, Daisaku Ikeda, a obra foi lançada em 28 de abril de 1952.
Em 1953, observando o desenvolvimento da organização, Toda desejava que Makiguti estivesse vivo para ver como a pequena sociedade que fundara havia crescido, tornando-se uma organização de 50 mil famílias. Constantemente, dizia: “Quero acabar com a miséria da face da Terra.”
Notas:
1. Terceira Civilização, edição nº 291, novembro de 1992, Encarte Especial, pág. 9.
2. “História e Convicção da Soka Gakkai”, Apostila do Exame de Budismo de 1997, pág. 21.
3. Ibidem, págs. 21-22.
4. Revolução Humana, vol. 1, pág. 36.
5. “História e Convicção da Soka Gakkai”, Apostila do Exame do Budismo de 1997, pág. 22.
6. Terceira Civilização, edição nº 292, dezembro de 1992, Encarte Especial, pág. 11.
7. Ibidem, pág. 17.
8. Ibidem, edição nº 295, março de 1993, Encarte Especial, págs. 9-10.
Fonte:
Apostila Exame de Budismo 2.000, págs. 58-61.
Terceira Civilização, nº 456, agosto de 2.006, pág. 32.
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